Janaina Behling

Janaina Behling
Janaina Behling. Mestre em Linguística Aplicada pela Unicamp.Licenciada em Português, Italiano e Latim Clássico. Gerente de Letramentos. Coaching Autoral.

domingo, 9 de outubro de 2011

Bixiguentos e Palobs - crônica em homenagem ao Mawaca



Michel, quem são os bichos de Palob?
São os bichos do mutum, sem etnocentrismos. Então, o mutum tem perna longa. Já a cotia, gosta de comer coquinho. E a anta?
Deu para perceber que, entre os Palob, em Rondônia, há admiração pelo mutum muito mais múltipla. Todo animal de perna longa é admirável aos Palob, enquanto outros comem coquinho e as antas não sabem de nada sobre as relações da cidade com a mata.
Atravessar a Itapeva pegar a Pamplona subir demais entrar na Paulista até a Brigadeiro seguir, em direção ao Paraíso e chegar no Itaú Cultural para estar num curso sobre Outros sons daqui e de lá, entrar no mundo dos Palob, e muitos outros mundos mais, era ter perna bem longa.

E houve paixão na ida, assim como eu era apaixonada pelo Michel, que aprendeu a repetir a mesma resposta quando pergunto quem são so bichos do Palob. Era assim um mantra que eu tinha feito para ele, com ênfase na parte dos mutuns.
Mas, o Michel não sabia dos meus segredos. Ele não sabia. Porque estar entre mawacas era a minha chance de sair um pouco da condição de quem, simplesmente, não gosta de uma língua, para viver o conforto de não ser torturada por causa disso, porque conhecer o processo de criação do Mawaca com a Magda, o Gabriel e meus colegas era um deleite gigante, quebrando a concentração de toda a criação das coisas do mundo e das pessoas a uma única etnia, principalmente, a do Michel, meu namorado americano de origem francófana.
Estamos juntos há quatro meses e eu me divirto muito com o Michel, embora ele diga que se diverte muito mais comigo. A gente se conheceu no bar do André, aliás, no Domingo à Doniran, na rua 13 de maio, em frente a praça de antiguidades. O André tem um bar que ele só abre aos domingos e só toca samba do Bixiga.
O Michel adora. Fica balançando o copo de vinho sempre pela metade para cima e para baixo, aleatoriamente, enquanto pensa que dança, numa cidade invisível do interior da Europa.
O jeito do bar funcionar é realmente engraçado, porque serve porpeta e panqueca de aperitivo, e se quiser almoçar tem de ter a sorte de conseguir seu prato. Bixiguentos são Palobs, esse era meu segredo. Então, o Michel, uma anta, se diverte aprendendo a olhar para o Brasil, enquanto não entende muito bem o jeito das coisas que eu falo para ele. O Michel, etnocêntrico, artista plástico, um gato cinquentão, tem de aprender no Bixiga a arte de não ser servido o tempo todo, não gostar disso, mesmo quando está pagando por algum serviço. Agora que é do pedaço, todo mundo tira sarro do Michel, que fica encantado quando conto que a Magda Pucci é linda mesmo e o Gabriel Levy parece que tem cinco metros de altura. Mutuns.
O que salva a sensibilidade etnocêntrica do Michel é o fato dele ser professor de desenho gráfico, dos bons.
Mas faz toda a diferença separar a ideia de trabalhar com arte e ensino e ensino de artes.
É claro isso para você Michel?
Quando pergunto, ele volta a olhar para a postila do curso para professores que falava sobre mutuns, coquinhos e antas e dá uma bela mordida numa porpeta suculenta molhada de azeite, no capricho.